Sunday, April 04, 2010

Acordo. Ou melhor, sou retirado de um turbilhão confuso de pensamentos E lembranças que precisariam de mais umas quatro horas para que fossemchamados de sono pelo blá blá blá longínquo de um locutor de rádio quesaía  do rádio-relógio mal sintonizado. Entre isto e acordar há umabismo de diferença.Sento na cama. Imediatamente o quarto dá uma volta completa em tornodo que restou do meu fígado e eu lembro que estou de ressaca.O giro do quarto somado à sensação de que estou vestindo uma meia dealgodão na língua estimulam o meu primeiro pensamento lúcido do dia, e talvez um dos únicos: puta-que-pariu.Depois de deitar e levantar umas 10 vezes, em uma dúvida cruel entre pedir demissão para dormir mais um pouco e chegar até o chuveiro para salvar o meu emprego, decido manter-me no mercado de trabalho e vou
cambaleando até o banheiro.Faço uma parada no corredor e tomo 750 ml de água no bico da garrafatérmica.
Os 250 ml restantes escorrem pelos cantos da boca molhando aminha camiseta "Jânio Quadros Prefeito 85". Chego até o espelho do banheiro, vejo o meu reflexo com um misto de penae uma expressão do tipo depois-eu-converso-com-você-mocinho.Dou aquela checada no pânceps -- aquele músculo logo abaixo doabdômen, mas nem me dou o trabalho de encolhê-lo. Preguiçosamente começo a escovar os dentes.
A secura da desidratação alcoólica molhada pela água há pouco ingerida formaram uma
gosma espessa de cuspe que em contato com a pasta dedentes começa a produzir uma quantidade inominável de espuma na minha boca.Depois de quase engasgar, entro no chuveiro determinado a tomar umbanho gelado. Mas ainda não foi desta vez. Eu tenho alguns pensamentos recorrentesquando estou de ressaca, como a obrigação auto-impingida de tomar umbanho frio, parar de fumar pelas próximas três semanas, e outras maiscomuns.É claro que, como toda promessa de ressaca, no dia seguinte você está fazendo tudo de novo. Mas uma coisa que eu nunca consegui foi tomar banho gelado para curarbebedeira.
Claro que não estou contando aquele banho de roupa que suamãe (ou avó, ou tia, ou namorada, ou irmão) te deu quando você tomou oprimeiro fogo.Ah! O primeiro porre! Este passaporte de entrada para um universo quecomeça em euforia, termina em arrependimento e tem uma complicadacontabilidade de horas de sono no meio. Este universo com o qual você vai conviver durante toda a sua vidaadulta,  só saindo dele através de um SIM proferido em uma igreja, templo,mesquita, ou qualquer que seja o foro apropriado da sua religião. E olhe lá!Este universo que você só vai perceber quando for tarde demais, consometodo aquele dinheiro do plano de previdência privada que você nunca fez, apesar das constantes investidas da sua gerente do banco.O universo do macho solteiro. Quando volto a mim, ainda estou debaixo do chuveiro com os olhos fixosem nada,divagando sobre estas e mais uma porção de outras bobagens.Recomeço a função mecânica matinal,  um tanto prejudicada por um conflitoinequívoco de hardware.Ao lavar os olhos, só consigo deixá-los mais vermelhos, já que com tãopoucas horas de sono o corpo nem deu tempo de produzir remela (ouramela, eu nunca sei) suficiente.Em compensação o nariz trabalha incessantemente produzindo cacas enormes, escuras e malcheirosas que dão um prazer imenso de tirar, produzirbolinhas, e dispô-las com um peteleco. Não me recrimine, o banheiro serve para essas coisas. Feio é fazer notrânsito...No meio do banho,  eu olho para ele. Ele quem? Ele, oras. O seu companheiro que neste momento está encolhido, ensopado, sujo emal-humorado (sim, ele tem humor!). E aí você começa a lembrar danoite anterior.
E aí começam os seus problemas.A coreografia de "Ganso do Sargentelli" que você fez para as amigas dasua prima. Aquela hora que você acreditou piamente que era o cara mais bonito dolugar e ficou trocando olhares com todas as mulheres-- você de sedução,elas, de desprezo ou piedade.Aquele beijo que você tentou arrancar a força da garota mais feia dolugar, e não conseguiu.E finalmente, aquele momento em que você se tornou milionário, pediu uma garrafa de Taittinger para brincar de pódio de Fórmula 1 (cantandota tã tã!) e encerrou a noite deixando o restante do seu salário em umprostíbulode luxo, não sem antes tentar sexo gratuito com todas as"amigas" da casa (afinal de contas você ainda era o cara mais tesudoda cidade).Daí para frente, só o que você vai sentir ao longo do dia são pequenasdores -- morais e físicas, causadas pela noite anterior.A taquicardia provocada pela quantidade paquidérmica de energéticosque você ingeriu, o telefonema da sua gerente do banco dizendo que sóaumenta o seu já estourado limite se você fizer o tal do plano de previdência, uma vontade incrível de ir ao banheiro para um número 2 que você segura porque não há bidet no escritório e você também não quer interditar o toalete, e o maço de cigarros todo úmido e amassado que você insiste em manter no bolso mesmo que jure para si mesmo que vai parar de fumar até que,depois de fingir que trabalhava o dia inteiro, chega o final do expediente, toca o telefone e você ouve aquela voz familiar:- Faaaaala, seu mééérda! Onde é a night hoje?"

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